Na sequência da petição lançada pelo Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços de Portugal (CESP), que pretendia apurar se os lojistas e trabalhadores de restauração dos centros comerciais estavam dispostos a encerrar aos domingos e feriados, bem como a reduzir o horário de funcionamento, um inquérito da Associação de Marcas de Retalho e Restauração (AMRR) deu conta de que a maioria dos funcionários concorda com as alterações propostas. Ainda assim, tanto a Associação Portuguesa de Centros Comerciais (APCC) como a Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED) chamaram à atenção para o impacto que esta decisão poderá ter a vários níveis.
De acordo com o inquérito da AMRR, cujos resultados foram divulgados na quinta-feira pela agência Lusa, 93% dos sócios mostraram-se a favor de encerrar mais cedo. Destes, 62% considerou que a hora de “fecho ideal” se situa pelas 22h00, enquanto 30% disse preferir as 21h00. Já 8% optou pelas 23h00, horário já praticado em vários centros comerciais do país.
Além disso, 62% dos inquiridos concordou em encerrar uma hora mais cedo na véspera dos dias de descanso, sendo que apenas 35% se manifestou no sentido contrário.
Aos domingos, 40% dos associados defendeu o encerramento total dos espaços comerciais, enquanto 20% apontou preferir fechar às 18h00 e 18% às 21h00. Por seu turno, 17% disse querer manter tudo como está. Na restauração, em concreto, 86% dos inquiridos considerou ser importante encerrar uma hora mais tarde do que os restantes trabalhadores, seja qual for o horário de fecho.
O presidente da direção da AMRR, Miguel Pina Martins, indicou que o estudo representa “um contributo importante para a discussão do tema por quem conhece o dia-a-dia do setor e um reflexo da genuína dedicação para com o bem-estar dos seus trabalhadores, sem prejudicar os seus clientes”. Ainda assim, o responsável ressalvou que a entidade está disponível para “discutir o assunto” e promover uma evolução nas regras de funcionamento dos centros comerciais.
Com menos horas de abertura são necessários menos turnos, logo menos postos de trabalho
O que dizem os patrões?
No outro lado do espetro, a Associação Portuguesa de Centros Comerciais (APCC) considerou, em declarações ao Notícias ao Minuto, que “qualquer restrição horária nos centros comerciais terá um impacto drástico na economia nacional”.
“Vai gerar a destruição de mais de 18.000 postos de trabalho diretos só no setor dos centros comerciais, aos quais se soma um número semelhante de postos de trabalho que se estima que se perderão no setor do retalho alimentar. Com menos horas de abertura são necessários menos turnos, logo menos postos de trabalho. Terá também um efeito nefasto em toda a cadeia de valor, que não está sequer calculado. Estes são impactos que quem faz este tipo de reivindicações se recusa a estimar”, argumentou.
O organismo apontou ainda que a eventual alteração dos horários de funcionamento conduzirá “à redução de uma parte significativa do rendimento de quem trabalha neste setor e à redução das opções por parte de trabalhadores em part-time, estudantes e trabalhadores com horários flexíveis”.
“Simultaneamente, será afetada a liberdade de escolha das famílias e as vendas dos lojistas, uma vez que os portugueses preferem fazer as suas compras no horário pós-laboral e ao fim de semana. Mais de 37% das compras realizadas em centros comerciais ocorrem no horário pós-laboral e mais de 36% ao fim de semana. Importa, também, referir que os centros comerciais recebem por ano mais de 88 milhões de visitas ao domingo, que é um dos dias mais importantes de vendas”, complementou.
Lojas e restaurantes de centros comerciais disponíveis para alterar horários
A maioria dos lojistas e restaurantes de centros comerciais mostra-se disponível para fechar mais cedo aos fins de semana e feriados, divulgou hoje a Associação de Marcas de Retalho e Restauração (AMRR).
Lusa | 13:22 – 12/09/2024
Nessa linha, a APCC sublinhou que as vendas transitarão “para as plataformas internacionais online, que operam 24 horas por dia, todos os dias do ano”, o que “levará a uma redução da atividade económica, com crescimento das importações e uma menor receita fiscal”.
Os setores da restauração, entretenimento e cultura “têm um risco acrescido”, já que “as suas vendas não transitam para outros dias da semana ou outros horários”.
“Os horários são amplamente estudados pelos operadores do setor e visam responder às necessidades das pessoas e das comunidades, funcionando como um modelo integrado, otimizando os diferentes setores que estão inseridos nos centros comerciais. Importa, ainda, sublinhar que compete aos municípios a regulação do período de funcionamento do comércio, nos limites constantes da lei. Cada município conhece a realidade local e define os horários no interesse das suas comunidades”, disse.
A associação considerou também que a “eventual falta de trabalhadores no setor do comércio” se trata de uma questão “transversal a muitos outros setores”, razão pela qual “tem de ser resolvida com políticas estruturais”.
“Existem outros setores com declarada falta de trabalhadores, como por exemplo a hotelaria e a indústria, mas onde não se coloca a questão de limitações dos horários. Não se resolvem estas questões limitando a economia por decreto”, argumentou.
Encerramento do comércio aos domingos e feriados discutido no Parlamento
A iniciativa legislativa de cidadãos também defende mudanças no horário de funcionamento dos estabelecimentos comerciais, que passariam a fechar às 22h00.
Notícias ao Minuto | 10:59 – 07/07/2024
Ainda que a APED tenha salientado que “não pode comentar o resultado de um inquérito que não conhece e que terá sido desenvolvido à margem do processo desencadeado pela iniciativa legislativa do CESP sobre encerramento do comércio aos fins de semana”, a entidade ressalvou, em declarações ao Notícias ao Minuto, que “não deixa de ser surpreendente que a Assembleia da República volte a pronunciar-se sobre uma matéria num espaço de apenas dois anos, depois de a ter rejeitado por mais de 90% dos votos”.
“A questão dos centros comerciais fecharem mais cedo é uma matéria que merece reflexão e estão em curso, por parte da APED e dos associados que estão inseridos nestes espaços, análises de impacto dos diferentes cenários que estão a ser equacionados. A APED chama a atenção para a necessidade de se terem em conta todos os impactos – económicos, sociais, etc. – de uma eventual alteração e, sobretudo, na liberdade de escolha e conveniência do consumidor”, apelou.
A associação considerou, assim, que “só depois de uma análise séria e transversal sobre todos os impactos desta iniciativa é que os centros comerciais e os lojistas poderão tomar decisões sobre aspetos individuais deste tema”.
Recorde-se que a proposta da CESP deu entrada na Assembleia da República a 1 de julho deste ano, após ter obtido mais de 26 mil assinaturas. Em causa estava a conciliação da vida profissional com a vida familiar, o “respeito pelo tempo de lazer dos trabalhadores”, e ainda a “necessidade de assegurar o equilíbrio concorrencial” entre os estabelecimentos de comércio tradicional e as grandes superfícies.
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