“Quer os enfermeiros, quer os médicos, são pessoas especiais. Não são iguais às outras”, afirma, em entrevista à agência Lusa, destacando, por exemplo, a permanência no serviço enquanto um colega não chega para a troca de turno, mesmo que este se atrase.
“Não vou para casa enquanto não chegar, faz parte da nossa formação. Estou aqui a prestar um serviço às pessoas que estão a precisar de mim. E isso é muito importante. As pessoas têm uma dedicação ao outro e espero que isso não se perca. Está a perder-se e é forçoso reumanizar um bocadinho a medicina”, defende.
Ao olhar para o SNS ao fim de 45 anos, vê no financiamento um problema “difícil de ultrapassar” e com tendência a agravar-se.
“O país não tem dinheiro suficiente para pagar às pessoas todas. Não tem hipótese”, afirma, não se mostrando admirado quando ouve dizer que nos últimos 10 anos duplicou o financiamento do SNS.
“Podem esperar é que daqui a 10 anos tenha triplicado. Diminuir, não vai diminuir, só vai aumentar. Preparem-se para isso”, avisa.
É partidário de um sistema de comparticipação em função dos rendimentos como na ADSE.
“Pagavam parte de acordo com os seus rendimentos, como acontece no Canadá, como acontece noutros sítios. Assim é que é lógico”, reforça.
Na opinião do catedrático, é necessário antecipar o que vai acontecer para não deixar os utentes sem resposta.
“O financiamento deve ser das pessoas, não deve ser das instituições. Os hospitais públicos deviam ter uma organização exatamente igual aos privados para competirem com os privados”, sustenta.
Dos problemas de operacionalização do SNS, criado em 1979, recorda, a falta de equipamento e o custo que acarretou para o Estado o défice de investimento.
“Quando apareceu a ressonância magnética e a TAC, as pessoas iam fazer TAC a Espanha. Depois apareceram TAC privadas. A ressonância magnética foi exatamente a mesma coisa. Primeiro que entrassem nos hospitais foi uma coisa que demorou imenso tempo. Podiam ter aprendido, mas não aprenderam”, lamenta.
“Não sei quantas ressonâncias pagou o Ministério da Saúde para fazer exames fora do hospital, nos privados. Pagou imensas de certeza. A perda do equipamento hospitalar do Estado fez com que os privados tivessem cada vez mais interesse, até do ponto de vista da prática da medicina, e criou um desequilíbrio enorme”, constata o médico.
Alexandre Castro Caldas saiu temporariamente da carreira, quando recusou o Serviço Médico à Periferia (SMP), criado em 1975 para suprir as enormes carências da população, antes da criação do SNS, e não partilha a ideia de que este tenha sido o embrião do SNS, considera mesmo que não deixou semente.
“Nem por sombras, fazia parte do modelo. A génese do SNS começa pela base, a medicina de proximidade. Assim é que deve ser. Mas rapidamente passou a ser ´hospilalocêntrico´, nunca estimulando esse desenvolvimento”, aponta.
Sobre o Serviço Médico à Periferia (SMP) lembra que “as pessoas foram mandadas completamente sem orientação, sem enquadramento, sem nada. Não é assim que se faz”, advoga o neurologista, que, nessa altura, não quis abandonar o Laboratório de Estudos de Linguagem, acabado de fundar e onde trabalhou com o neurocientista António Damásio.
“Se saísse – ele já tinha saído, portanto eu tinha ficado a tomar conta do laboratório -, morria um projeto”.
Estava no segundo ano do internato quando teve de tomar a decisão: “Tive de sair da carreira. Fiquei desempregado. E continuei a trabalhar no laboratório. Depois fui convidado para ficar como assistente da Faculdade de Medicina. Fiz o meu internato de neurologia como assistente e só consegui ser reintegrado na carreira hospitalar já depois de ter feito o exame de chefe de serviço muito tardiamente”.
Nova interrupção surgiu no trabalho que estava a desenvolver quando, aos 32 anos, aconteceu “uma coisa muito desagradável”. Foi chamado para a tropa. Precisavam de um neurologista no Hospital Militar.
“Morava ao lado o Hospital Militar, ainda por cima. Não me tinha custado nada ir lá fazer uma consulta e continuava a minha vida, mas tive de fazer recruta e aquelas coisas todas”, recorda, sentado à secretária em que dá os últimos acertos no livro que dentro de dias entregará à editora.
Chama-se “Inteligência Vital, Estupidez Artificial ou Flor de Plástico” e é um projeto que começou a desenvolver durante a pandemia de covid-19, quando ficou em casa e deu por si a pensar na questão da inteligência artificial.
“A inteligência é uma das áreas difíceis da nossa natureza, perceber exatamente o que é inteligência. Depois, sobretudo, chamar inteligência artificial é uma coisa que não faz muito sentido, porque não tem nada a ver com a inteligência, mas o nome está feito, paciência”, diz.
Autor de vários livros, Castro Caldas inspira-se desta vez num dos primeiros ensaios de Kant, “Observações sobre o sentimento do belo e do sublime”, para explorar as diferentes formas de inteligência ou do que se convencionou assim designar.
“É um pouco essa discussão que estou a fazer, o que é o conceito de inteligência (…) o que é o belo e o que é o sublime”, desvenda, remetendo para o título do livro: “Uma flor de plástico é bela, mas não é sublime, porque não tem vida, não se reproduz. A flor natural é bela e sublime. A inteligência artificial é exatamente isso. É bela, mas não é sublime”.
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