Vicente vive no Porto, mas durante a semana foi acordado pelos pais “em desespero” porque a casa dos avós, em S. Tiago (União de Freguesias de Melres e Medas) “estava ameaçada pelas chamas”.
Num relato à Lusa em frente à Junta de Freguesia — onde para hoje estava prevista uma manifestação contra os incêndios, o abandono do território e a monocultura do eucalipto, iniciativa que registou a adesão de pouco mais de uma dezena de pessoas — o menino de 8 anos descreve o porquê de ter levado um cartaz com uma mancha verde e alguns riscos amarelos.
“São flores e folhas como eu gostava que fosse a floresta. E o [cartaz] da minha tia tem a frase ‘as árvores são vida’. Este já diz ‘eucalipto é fogo’, o que é verdade. Ao lado da casa dos meus avós há uma vizinha que não corta os eucaliptos, nem limpa o terreno, mas o meu avô não vai deixar que isso continue assim porque o que aqui se viveu foi horrível, muito difícil”, descreve.
Ao lado, a tia Sofia Duque (36 anos) e o avô João Moreira (65) partilham com outra família, essa de Branzelo, localidade onde nem a capela centenária da Nossa Senhora da Aflição foi poupada, as preocupações para o futuro e desabafam sobre as longas horas de angústia vividas.
“A minha filha esteve a tarde inteira com a mangueira a refrescar a casa. Chegou a fugir com os cães para a vila. A luz falhou às duas da manhã. Os bombeiros chegaram às quatro”, conta João Moreira, dono de uma casa que sobreviveu às chamas, também graças à ajuda de vizinhos.
Hoje, além deste encontro às 17:00, reservou o dia para visitar e fazer-se sócio dos Bombeiros Voluntários da Aguda (Vila Nova de Gaia) porque “foram os primeiros a chegar”.
“Estivemos abandonados. Há muita falta de meios. Foi Deus que esteve connosco”, diz.
Sete pessoas morreram e 177 ficaram feridas devido aos incêndios que atingiram desde dia 15 sobretudo as regiões Norte e Centro do país. A Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil contabiliza cinco mortos, excluindo da contagem dois civis que morreram de doença súbita.
Estima-se que estes incêndios tenham provocado 135 mil hectares de área ardida.
Hoje, em Gondomar, João Moreira exige que se tomem medidas e junta-se no coro de apelos e críticas de outras famílias, entre as quais a de Zélia Sousa (71 anos) que veio à “manifestação” apoiada na filha porque, ao lutar para salvar a casa em Covelo caiu e fez queimaduras nos dedos, joelho e cotovelo.
“Foi uma coisa horrível. Ainda me sinto em modo rescaldo, ainda não respiro. Foram horas de luta. Esta minha filha só hoje foi à cama porque anda sempre de vigia ainda. Ela e um vizinho nosso que mantém o trato cheio de água”, conta, apontando para Mariana Boto (42 anos) que só hoje deixou os filhos ir brincar para o jardim.
“Porque a terra ainda fumega. Porque ainda temos o medo entranhado no corpo”, explica à Lusa.
Para hoje estavam previstos, em 12 localidades, protestos contra os incêndios, o abandono do território e a monocultura do eucalipto, convocados por um grupo cidadãos que inclui ativistas, investigadores em alterações climáticas e biólogos, grupo que organizou, há um ano, uma manifestação em defesa da floresta.
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