Chile vive sob o medo do crime que impulsiona a extrema-direita ao poder

“Estamos a dar um sinal de recuperação do espaço público que estava capturado pelo comércio informal e por organizações criminosas. Santiago é o município com mais delitos cometidos pelo crime organizado em todo o Chile. E, neste bairro de Santiago, acontecia de todo tipo de ilegalidade”, aponta o presidente da Câmara de Santiago, Mario Desbordes, em entrevista à Lusa.

 

Desbordes, antigo deputado, ministro da Defesa e carabineiro, a Polícia militar do Chile, percorreu com a Lusa o bairro popular de Meiggs, a metros do Palacio La Moneda, sede do Governo chileno. Ao longo dos últimos anos, este bairro comercial e popular foi, silenciosamente, dominado por diversas organizações criminosas, chilenas e estrangeiras, situação que agora Desbordes, há um ano no cargo, quer reverter, em sintonia com a demanda popular por segurança.

“Só neste bairro, calculamos que a sonegação de impostos seja de 200 milhões de dólares anuais, suficiente para construir um hospital por ano. Santiago tornou-se o município com mais delitos cometidos por organizações criminosas do Chile”, conta Desbordes, fazendo uma lista do crime organizado transnacional que hoje domina a economia ilícita do país.

“Sou um especialista em segurança. Aqui ficou provado que estão os ‘Trinitários’, da República Dominicana, o ‘Trem de Aragua’, da Venezuela, os ‘chotas’ e os ‘espartanos’, da Colômbia, os ‘pulpos’ e os ‘galegos’, do Peru, a máfia chinesa e organizações criminosas chilenas”, enumera.

O trabalho coordenado com as forças de segurança e com o Governo nacional, além da duplicação da quantidade de agentes, com o objetivo de quintuplicar o número, permite que o Estado, paulatinamente, recupere o território sequestrado pelo crime. A recuperação do bairro começou, em fases, em julho. Os delitos diminuíram em 72%.

“Neste setor, havia pessoas que ocupavam a rua, delimitavam espaços no chão e, com uma pistola na mão, alugavam esses lugares públicos para o comércio ilegal, prometendo segurança”, aponta.

Adolfo Numi, presidente da Associação para o Desenvolvimento do Bairro Meiggs, descreve à Lusa a lista de delitos que são a realidade de muitas zonas do Chile, fazendo com que, nestas eleições, a promessa de ‘linha-dura’ com ‘lei e ordem’ seja a bandeira da extrema-direita para ganhar as eleições.

“Os gangues continuam a funcionar. Foram eliminados desta zona, mas deslocaram-se para outros setores. Têm especialidades por nacionalidade e por atividade. Os colombianos, por exemplo, vendem cigarros contrabandeados. Outros dedicam-se a empréstimos usurários aos comerciantes. Temos tráfico de drogas e tráfico de pessoas porque os imigrantes irregulares são trazidos de fora para trabalhar aqui. Temos grupos que se dedicam a assaltar os comerciantes chineses que movimentam muito dinheiro. Também temos os grupos que roubam as mercadorias das lojas e os clientes. Temos o controlo territorial de gangues que extorquem comerciantes. Estão os que dão serviços de segurança. Não são grupos que fogem quando a Polícia vem, mas que enfrentam as autoridades”, detalha Numi.

Johana Gómez, responsável por uma loja de brinquedos da área, conta que as máfias afastaram os clientes que, ao saírem do comércio, eram roubados.

“Ao longo dos últimos três anos, as vendas caíram 90%. Estamos num ponto de falência. Há seis anos, tínhamos sete vendedoras; agora, apenas duas. Os clientes não querem mais vir porque são roubados pelo caminho. As máfias que agem aqui são 60% de chilenos e 40% de estrangeiros, principalmente colombianos e peruanos”, aponta.

No Centro de Santiago, Mauricio Gajardo, gerente do restaurante La Piojera narra um panorama desolador.

“O movimento diminuiu em 60% por culpa da insegurança. Os jovens vinham para cá depois do expediente, mas, com a insegurança, ninguém mais que vir ao Centro. Antes, fechávamos às 2 da manhã. Agora, às 20 horas. Mal conseguimos manter o restaurante”, lamenta.

Um recente estudo da Câmara Nacional de Comércio com 461 comerciantes e restaurantes do Centro de Santiago indica que 63,6% veem o comércio ilegal agir na zona, 54,1% observam a ação de gangues criminosas, 54,5% têm vizinhos com lojas vazias por culpa da criminalidade, 77,9% veem frequentes assaltos e roubos, 40,3% foram vítimas de roubo, 22,5% enfrentaram algum assalto aos seus clientes.

Há sete anos, Santiago lidera o número de vítimas de homicídios no país. Com seis homicídios por cada 100 mil habitantes, o Chile está abaixo da metade da média de 15 homicídios por cada 100 mil habitantes na América Latina, porém a velocidade do aumento de homicídios (de 2,5 para 6 por cada 100 mil habitantes em dez anos) ajuda na sensação de insegurança.

A sondagem nacional urbana de segurança cidadã mediu que 87,7% das pessoas percebem um aumento da delinquência no país, embora apenas 17,7% disseram terem sido vítimas de roubos e 8,5% de delitos violentos.

O que mudou no Chile foi a modalidade do crime. Os sequestros, por exemplo, passaram de 16,5% para 21,1% entre 2022 e 2024.

Segundo as principais consultoras do país, o que mais preocupa os chilenos é, em primeiro lugar, a segurança, seguida da imigração, corrupção, desemprego e inflação. A saúde e a educação, prioridades durante 11 anos, agora surgem em último.

O candidato de extrema-direita, José Antonio Kast, associa a criminalidade à imigração, especialmente venezuelana. Promete colocar três mil militares na fronteira com o Peru e com a Bolívia, por onde entram os imigrantes ilegais. Quer endurecer as penas e expulsar 334 mil imigrantes irregulares.

Os imigrantes representam apenas 8,8% da população, mas duplicaram em sete anos.

“Nestas eleições, a segurança tornou-se o principal eixo do debate político porque é a primeira urgência dos chilenos. A criminalidade que estamos a viver no Chile é diferente daquela a que estávamos habituados, porque chegou o crime organizado estrangeiro. Tínhamos clãs familiares chilenos que controlavam o tráfico de drogas em certas regiões, mas a criminalidade estrangeira, muito violenta, afetou o tecido social ao recrutar jovens e ao mudar a qualidade de vida dos chilenos, que alteram os seus horários e as suas rotinas por medo de um roubo violento”, explica à Lusa Pilar Lizana, especialista em crime organizado e em economias ilícitas.

“Os chilenos estão a exigir segurança e essa exigência define esta eleição presidencial”, conclui.

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Fonte: www.noticiasaominuto.com

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