“Ter um Presidente como José António Kast é um retrocesso para o meu país. Teremos perdas de direitos sociais, mais desigualdade entre homens e mulheres e perdas em questões de género, principalmente para a mulher. Essas são ameaças se a extrema-direita ganhar”, diz à Lusa a trabalhadora social Nicole Salgado, de 32 anos.
Kast, de 59 anos, do Partido Republicano, fundado por si, é um católico devoto que vai à missa todos os domingos. Tem nove filhos com a mesma esposa, que se dedicou à maternidade. Defensor aberto do ex-ditador Augusto Pinochet (1973-1990), Kast opõe-se à pílula anticoncecional do dia seguinte, ao divórcio, ao casamento homossexual e ao aborto, inclusive em casos de violação.
Nicole participou no último ato de campanha da candidata Jeannette Jara, da coligação de centro-esquerda Unidade pelo Chile, na quarta-feira, em Puente Alto, o mais povoado e popular município do Chile, na região metropolitana de Santiago.
Enquanto a carismática Jara reunia 15 mil pessoas, o candidato José Antonio Kast mantinha a sua estratégia de não se expor para evitar erros. Em vez de um ato final de campanha, uma caravana tentou marcar a presença do candidato na capital do país. Apenas 10 pessoas compareceram ao ponto de encontro em Lo Barnechea, um município de classe alta na região de Santiago.
Essa diferença também será marcada neste domingo de eleições: enquanto Jeannette Jara prepara um palco na região central de Santiago, o provável vencedor, José Antonio Kast, prepara um palco com uma limitada capacidade de pessoas em Las Condes, zona de alto poder financeiro.
Jara, de 51 anos, milita no Partido Comunista desde os 14 anos, mas pertence à ala mais liberal e crítica, embora tenha dificuldades para classificar o regime do venezuelano Nicolás Maduro como uma ditadura e considera que Cuba tem “uma democracia diferente”. A origem popular de Jara contrasta com a elite política chilena da qual provém Kast.
“Eu vou votar em Jeannette Jara porque, além do crescimento económico, o Chile precisa de quem tenha preocupação com o social. O meu país precisa de um crescimento geral também em direitos para a mulher, para as crianças e para os idosos. Um Governo Cast seria retroceder em direitos sociais, em educação gratuita e em saúde pública. Isso não faz parte das suas propostas de Governo. Kast quer crescimento económico concentrado para as pessoas de maior riqueza do país”, compara Nicole.
A universitária Isidora Rocha, de 26 anos, também vê retrocesso em matéria social caso Kast ganhe. O candidato promete um ajuste fiscal de 6.000 milhões de euros, equivalentes a 2% do Produto Interno Bruto, mas não diz onde pretende cortar gastos.
“Tenho uma avó de 84 anos e tenho uma mãe deficiente que dependem de pensões. Mas Kast será um retrocesso também para os jovens. Em vez de reformas, teremos um Governo conservador e desumano. O que eu sinto é medo do que vamos perder, do que nos vão tirar. Tenho mesmo medo”, desabafa Isidora à Lusa.
Jeannette Jara, ex-ministra do Trabalho do atual Governo do Presidente Gabriel Boric, conseguiu aumentar as pensões e reduziu a jornada semanal de trabalho de 45 para 40 horas. Ao longo da campanha, Kast evitou definições nesse aspeto. No último debate presidencial na terça-feira (09) disse que, no seu Governo, “nenhum direito adquirido será tocado”.
“Um governo Kast seria retroceder em direitos adquiridos para os trabalhadores, para os pensionistas e para as mulheres. Eu sei o que significaria um retrocesso em direitos reprodutivos. Se a extrema-direita ganhar, vejo uma sociedade com muitos retrocessos para os trabalhadores, para as mulheres, para os estudantes, para as diversidades”, adverte à Lusa a universitária Antonia Orellana, de 24 anos.
“Num governo Kast, eu vejo uma sociedade crispada e tensa. Haverá muitas manifestações, mas haverá também muita repressão. Não poderemos exigir nem debater porque Kast é um autoritário com muita dificuldade em conversar com quem pensa diferente”, prevê Antonia.
Segundo todas as sondagens, as duas principais exigências dos eleitores são segurança pública e controlo migratório, dois pontos que favorecem a extrema-direita. O risco, advertem analistas, é de José Antonio Kast comprometer as liberdades em nome da segurança ou de ter uma agenda conservadora própria.
“Os chilenos estão preocupados com a segurança e com a imigração ilegal. Querem um Presidente que tenha autoridade e força para pôr ‘lei e ordem’ e que seja duro com a imigração. A grande preocupação dos chilenos é se Kast vai querer fazer muitas mudanças”, indica à Lusa o sociólogo e analista político, Patricio Navia, da Universidade de Diego Portales, em Santiago, e da Universidade de Nova Iorque.
“O risco é que Kast tenha um Governo conservador e autoritário porque os chilenos querem que lhes solucionem os problemas, não quem mudem a sua forma de ser. Nesse caso, haverá protestos nas ruas”, estima.
Na primeira volta, há um mês, Jeannette Jara ganhou com 26,8% dos votos, menos de três pontos à frente de Kast. Mais de metade da sociedade chilena votou em candidatos de direita, que agora estão alinhados.
No dia 30 de novembro, último dia permitido pela lei eleitoral chilena para a divulgação de sondagens, José Antonio Kast tinha quase 60% dos votos válidos, enquanto Jara passava um pouco dos 40%.
Se os números se confirmarem, seria a maior vitória da direita e a maior derrota da esquerda na história do Chile.
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