“Há dois dias que eu não como. Não posso comprar nem verdura nem fruta. Nem me lembro o que é uma carne. Tenho 80 anos. Trabalhei neste país a minha vida toda. Esses legisladores nunca trabalharam e ganham 08 milhões de pesos (7.200 euros). Eu recebo 300 mil (270 euros)”, disse à Lusa o reformado Miguel Rodríguez, de 80 anos, nas imediações do Parlamento argentino, assim que os deputados confirmaram o veto do Presidente Javier Milei ao aumento nas pensões.
“Eu vivo hoje do que os vizinhos me dão. Eles dão-me um prato de comida. Se não fosse isso, eu só comeria arroz e macarrão. Gosto de fruta e de verdura, mas não posso comer. Um idoso precisa de fibra, mas não posso comprar. Não quero que ninguém me dê nada. Só quero aquilo a que tenho direito”, pede Miguel, contendo as lágrimas.
No dia 03 de junho, os legisladores aprovaram uma lei que aumentava em 8,1% as reformas. O cálculo fez-se com o desfasamento da inflação acumulada até maio menos os aumentos que os reformados tinham recebido até então.
A inflação acumulada entre dezembro – quando Javier Milei assumiu – e agosto chega a 145,8%. A recomposição das pensões chega a 121%.
A lei estabelecia uma nova fórmula de cálculo, mais vantajosa do que a atual. Pelo novo coeficiente, as reformas seriam reajustadas mensalmente pela inflação e receberiam 50% do aumento anual dos salários em geral. Uma reforma mínima nunca seria inferior a 9% acima do preço do cabaz básico.
Dos 7,4 milhões de reformados na Argentina, 5,1 milhões (70%) recebe a pensão mínima de 225 mil pesos, equivalentes a 205 euros.
O aumento de 8,1% agora teria um impacto de 0,4% do Produto Interno Bruto (PIB). Todas as melhorias juntas custariam 1,2% do PIB a partir do ano que vem.
O Presidente Javier Milei vetou a lei porque, segundo ele, afetaria o equilíbrio fiscal.
Do lado de fora do Parlamento, milhares de manifestantes de sindicatos, organizações sociais, associações de pensionistas e militantes de esquerda foram na quarta-feira rodeados por cerca de 700 agentes da Polícia. Assim que os deputados confirmaram o veto, os manifestantes avançaram contra o cerco policial.
Os mais exaltados eram cerca de 150 que atiraram pedras e tentaram derrubar uma grade de proteção. As forças de segurança responderam com balas de borracha e com bombas de gás lacrimogéneo. Alguns foram presos. Doze pessoas ficaram feridas.
O reformado Roberto Lascano, de 85 anos, ainda sofria os efeitos do gás lacrimogéneo enquanto tentava explicar à Lusa como os reformados têm perdido com o governo Milei.
“O Governo cortou o fornecimento de remédios gratuitos. Este Governo procura o défice fiscal zero a qualquer custo. Então, Milei tira dos aposentados para dar a quem mais possui. Diminuiu impostos às grandes corporações e castigou os reformados”, revolta-se Roberto.
O Governo cortou da lista de distribuição gratuita 44 medicamentos, inclusive oncológicos.
“É impossível viver com a pensão mínima. E a maioria dos reformados recebe essa pensão. Eu complemento a minha reforma com a venda de artesanatos. Se não fosse por isso, não poderia viver”, conta Roberto.
Nesta quarta-feira (11), faltou à oposição apenas 13 votos para derrubar o veto presidencial. A oposição precisava de dois terços dos 248 deputados presentes no plenário, equivalentes a 166 votos. Os opositores só conseguiram 153 votos.
Javier Milei obteve 87 votos a favor do veto e oito abstenções. As oito abstenções e cinco dos votos a favor do veto presidencial vieram de deputados opositores que tinham aprovado a lei em junho e que eram contra o veto presidencial. Porém, curiosamente, esses cinco deputados mudaram de opinião nesta semana, depois de uma reunião com o presidente.
Desde que assumiu, Milei transformou o défice fiscal de 5 pontos do PIB em um superávit fiscal. Segundo ele, “o maior ajuste na história da Humanidade”, ufana-se.
Essa é a regra de ouro do Governo custe o que custar, inclusive o voto dos reformados, crucial para a vitória de Milei em novembro passado.
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